Este post faz parte da série Manual do Escritor da Taverna. Caso você queira ler o artigo anterior sobre confitos basta clicar aqui.
Mesmo desenvolvendo um enredo com potencial para o sucesso, com bons personagens e uma história interessante, alguns textos continuam ruins. Erros de português, concordância verbal e nominal podem desmerecer o trabalho, mas a má escrita vai muito além disso. Um dos problemas mais comuns na escrita amadora são os excessos e a má construção das frases. Existem formas de identificar e corrigir diretamente essas anomalias, mas para tanto, precisamos saber o que estamos caçando. Vamos aprender a cortar tudo que é supérfluo, a tornar o texto mais direto e a empregar elementos mais criativos na escrita.
Primeiramente, você deve saber que problemas aparecerão no rascunho de qualquer escritor. Portanto, caberá a pratica da revisão eliminá-los. Revisar é um processo com o qual todos os escritores devem se comprometer. Acredite, mesmo os autores que você considera geniais revisam incansavelmente seus escritos. Durante a revisão moldamos e organizamos nosso rascunho em busca da excelência de um bom trabalho final como um jardineiro faz, podando um arbusto selvagem e lhe dando a forma de um poodle ou um dragão.
Então, temos abaixo nosso rascunho. Vamos lê-lo:

Cláudia saiu de cima do meu colo e eu fui atrás dela. Ela ficou observando atentamente Lestat, que colocava as duas mulheres e o escravo na cama. Ele puxou as cobertas até o pescoço deles.
– Eles estão doentes? – perguntou Cláudia curiosamente.
– Eles estão, Cláudia – respondeu ele prontamente. – Estão doentes e mortos. Veja, eles morrem quando bebemos neles.
– Ele caminhou até Cláudia, segurou-a e a ergueu novamente nos braços. Mantivemo-nos ali, com ela entre nós. Eu estava absolutamente hipnotizado por Cláudia, por sua transformação, pelos seus gestos. Cláudia não era mais uma criança. Cláudia era uma criança vampiro.
Agora vamos identificar os principais problemas e em seguida revisar esse trecho.
Verbos expressivos
Nosso texto tem muitas frases em que um verbo sozinho pode substituir várias palavras e ainda dar agilidade à narração. Podemos citar cada caso e mostrar como substituir os verbos frouxos por outros mais precisos.
Cláudia saiu de cima / Cláudia desceu;
e eu fui atrás dela / e eu a segui;
Ele chegou bem perto de Cláudia / Ele se aproximou de Cláudia
segurou-a e a ergueu / tomou-a
Quando aprendemos a usar verbos mais expressivos a escrita se torna enxuta e as frases transmitem melhor a mensagem para o leitor, tornando a leitura prazerosa. A mesma lógica pode ser aplicada em casos de negação:
Ele não lembrou o remédio. / Ele esqueceu o remédio.
Considere bem a possibilidade de substituir o verbo com o “não” por outro simples. Pense em maneiras de soar o mais conciso e criativo em suas construções. Seu texto enriquecerá bastante.
Advérbios
“O Advérbio não é seu amigo.” Essas são as palavras de Stephen King no seu livro Sobre a Escrita. O Rei do Terror sugere que os advérbios sejam evitados o máximo possível e apenas aqueles que são indispensáveis fiquem. Essa classe gramatical é perigosa, pois o advérbio modifica o verbo, mas muitos escritores iniciantes o utilizam em excesso, acreditando alcançar uma escrita mais bonita.
Nosso texto está sobrecarregado com advérbios e quase todos são inúteis: “Eu estava absolutamente hipnotizado” e “Ela ficou observando atentamente” são dois exemplos do que podemos cortar. E “perguntou Cláudia curiosamente” é um pleonasmo tão horrível quanto seria “descer para baixo”.

Repetição de Palavras
Logo de cara, nos deparamos com o uso excessivo da palavra Cláudia. A repetição de palavras empobrece o texto. Ela funciona quando desejamos trabalhar um personagem com algum transtorno, obsessão, ou paranoia, porém esse não é nosso caso. Devemos substituir as palavras repetidas por outras equivalentes. Trocaremos Cláudia por “menina” ou por pronomes como “ela”, entretanto, é importante tomar cuidado com os pronomes também. Encher seu parágrafo com “eles” ou “elas” pode soar confuso. Deste modo, vamos cortar os pronomes demasiados.
Agora, vamos checar nosso trecho com as correções:
A menina desceu de meu colo e eu a segui. Ela ficou observando Lestat, que colocava as duas mulheres e o escravo na cama. Puxou as cobertas até o pescoço deles.
– Estão doentes? – perguntou a menina.
– Estão, Cláudia – respondeu ele. – Estão doentes e mortos. Veja, eles morrem quando bebemos neles.
– Ele se aproximou dela e tomou-a novamente nos braços. Ficamos ali, com ela entre nós. Eu estava hipnotizado pela menina, por sua transformação, pelos seus gestos. Não era mais uma criança. Era uma criança vampiro.

Acabamos de revisar um pequeno fragmento de Entrevista com Vampiro, de Anne Rice. Essa é a versão original que você irá encontrar no livro. Bem melhor, não acha? Mas tem mais uma coisa…
Adjetivos
Esses são os campeões da escrita amadora. Adjetivos em excesso refletem a insegurança do escritor em transmitir uma sensação ou realizar uma descrição. Evite os advérbios extravagantes como “deslumbrante”, “grandioso”, “magnífico”. Evite também usar dois ou mais advérbios que signifiquem a mesma coisa. Por exemplo: Uma chuva forte e muito intensa alagou o vilarejo. Uma chuva intensa e uma chuva forte significam a mesma coisa.
Os adjetivos são permitidos, mas seu uso deve ser inteligente. Se você puder substituí-los por substantivos a escrita ganha leveza. A frase citada poderia ser reescrita assim: Um dilúvio alagou o vilarejo. No Livro Lolita de Vladimir Nabokov, o narrador-personagem, num dos inícios mais famosos da literatura, descreve a menina que dá título à obra assim: “Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama.”
Como você pôde ver, nenhum adjetivo foi empregado.
Por fim, espero ter contribuído para tornar mais completa e objetiva sua prática de revisão. Recomendo que você marque tudo aquilo que pode ser cortado ou substituído no seu rascunho e trabalhe da forma mais crítica possível. Lembre-se daquela máxima que nunca fica batida: “Escrever é a arte de cortar palavras”.
Até breve!
Belo post. ‘Sobre a escrita’ é um livro que recomendo demais.
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Sim, Alan. É uma obra inspiradora. A primeira parte, principalmente.
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Nada como aprender com os grandes.
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Dicas valiosas. Sempre que encontro um texto meu de uns 4 anos atrás, pego esses problemas. Esses dias mesmo comecei a reescrever um dos meus primeiros textos e a parte dos adjetivos foi bem verdadeira hahaha
“Ela era absurdamente linda. Linda demais. Muito muito linda” (sem falar nos advérbios né).
Sempre levo pra minha escrita que menos é mais. Não adianta querer enfeitar o texto com palavras difíceis, frases longas e descritivas, se a atenção do leitor vai acabar ou se perdendo, ou se desviando da história.
Valeu pelas dicas. Sempre bom lê-las de novo :p
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Hahaha Valeu, João! É bem divertido revisar textos mais antigos mesmo. Dá pra notar o quanto estamos evoluindo!
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Obrigada pelas dicas e pela indicação do livro! Sucesso!
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Eu é que agradeço!
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Adorei as dicas sem dúvida ajudará muito novos escritores e até eu que faço resenha ❤,já li indicações sobre esse livro parece bem legal!
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Recomendo bastante! Muito obrigado! 😀
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De nada 😊
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Uau! Que post delicioso.
Sem dúvidas estarei mais atenta à essas dicas quando escrever. Muito obrigada!
Agradeço também por curtir meus posts e seguir meu tenro blog. Abraços, tenha um excelente dia.
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Ótima semana pra você, Eduarda! Muito obrigado!
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Muito interessante o texto. Irei agora mesmo madrugar revisando meus textos analisando essas características. Eu já tinha notado a importância da escolha de palavras, mas não tinha conseguido acertar o ponto, ora fazendo muito, ora pouco.
E obrigado pela recomendação de “Sobre a Escrita”, do SK.
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De nada, meu amigo! Eu que agradeço o comentário 🙂
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Wow! Fantástico, obrigado. Definitivamente, serei um escritor amador diferente depois de ler esse manual.
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O mais importante é perseverar, Marcelo! Um forte abraço!
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